segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Resumo sobre o trabalho escravo do Brasil Colônia ao fim do Império

Resumo sobre o trabalho escravo do Brasil Colônia ao fim do Império

 
Terra, Trabalho e Poder: o mundo dos engenhos no Nordeste colonial
 Vera Lúcia Amaral Ferlini

A autora traz a discussão do problema inicial do Brasil, sua ocupação. A nova colônia era rica em pau-brasil, mas de início não se encontrou metais valiosos. O pau-brasil não trazia grandes motivações para uma ocupação em larga escala. Com a cobiça de outros países europeus como a França que por vezes frequentava nosso litoral, holandeses e espanhóis. Estes últimos citados descobrira prata em grande fartura, o que faz os portugueses pensarem na possibilidade de encontrar os sonhados metais e importantes na política econômica do período colonial. As colônias no oriente já não rendiam tantos lucros com as especiarias.
A solução encontrada seria fazer do Brasil uma empresa extrativista e latifundiária, o produto escolhido foi a produção de açúcar, que Portugal já conhecia com um certo êxito em outras colônias. Desta forma, o Brasil além de dar lucros, poderia autofinanciar (a exemplo da Espanha) a sua defesa, colonização e a busca por ouro e prata.
Portugal, sendo um país pequeno em proporções demográficas, não tinha condições de enviar muitos colonos, apenas o necessário para coordenar e ocupar os latifúndios. Portugal então une o “útil com o agradável”, utiliza-se da já conhecida mão-de-obra escrava negra, rentável com o tráfico negreiro que trazia vultosos lucros, ocupando o Brasil com os escravos. No entanto o alto custo dos afros dificultava a aquisição de escravaria suficiente para o trato do açúcar, restringindo a obtenção de lotes de terras a poucos indivíduos.
Ferlini traz a discussão e o debate historiográfico de certos autores sobre o escravismo e o latifúndio dentro do sistema colonial e da dinâmica do capital mercantil complementando e contrariando. Marx diz que o homem, com suas descobertas territoriais, acabou tornando inevitável as colonizações e, portanto, o escravismo, por causa de sua ambição. O escravo servia exclusivamente ao seu senhor, produzia para ele e o seu viver era em função dele. Com o absolutismo e com o mercantilismo o Estado passava a controlar a economia e a buscar colônias para adquirir metais ou qualquer produto vantajoso e lucrativo através da exploração. Isso para garantir o enriquecimento da metrópole. Esse enriquecimento favorece a burguesia - classe que detém os meios de produção. Eric Williams retoma a idéia de Marx dizendo que torna-se claro assim, o ponto de vista defendido pelo historiador Fernando Novais, de que "o tráfico explica a escravidão", e não o contrário. Adequação da empresa colonizadora com os mecanismos do Antigo Sistema Colonial. Barros Castro diz que o escravismo é um atalho para o futuro proletariado e Maria Sylvia de Carvalho Franco descreve em suas teorias que no Brasil colonial seria inviável a preservação de homens livres expropriados, com abundância de terras onde todos poderiam encontrar formas de se suprirem.
Por fim, Já Ferlini define que a base do trabalho, e de toda sociedade colonial, era o escravo negro. Era o fundamento de todo o processo de produção, de toda a organização do engenho e da lavoura. Ligado inicialmente à necessidade de prover a mão-de-obra numerosa para a produção colonial, o escravismo moderno intensificou-se ao longo de nossa história, penetrando em toda a sociedade colonial. Para ele a economia capitalista, auferindo os lucros comerciais da produção colonial, internamente à colônia, o processo produtivo esclerosava-se em imenso quadro de geração e de manutenção do poder e privilégios em função do Estado.
A justificativa para a implantação do escravismo como lógica legitimadora do ASC está contemplada na posse da grande propriedade latifundiária que legitimava a perpetuação de quem comandava o trabalho escravo. Possuir terras e escravos era a receita para quem queria dominar o processo de acumulação de capital estabelecendo compromissos com o rei, mercadores e senhores de escravos. Dessa forma, colocava a margem todos aqueles grupos que eram à base do trabalho, os escravos. Processo contraditório fazia-se presente, pois, escravos e terras impulsionavam o capitalismo europeu e eternamente  esses mesmos atores emperraram a proletarização dos trabalhadores, ou seja, um sentimento de classe trabalhadora.
O engenho era sustentado pelo latifúndio e pelo trabalho escravo. As terras, por sua vez, eram a extensões territoriais do poder dos senhores de engenho. Alienado ao trabalho e a margem das forças produtivas o escravo estava nucleado e impossibilitado de resistir as mazelas da labuta diária e sua consciência de classe trabalhadora era estava adormecida e viria a surgir dentro do próprio processo de exploração do seu trabalho. A estruturação da manufatura no engenho organizou o trabalho de forma seqüencial e continua caracterizado numa labuta diária rotineira             


A Categoria Escravidão - Autor: Jacob Gorender

1 – Propriedade e sujeição pessoal – A característica mais essencial, que se salienta no ser escravo, reside na condição de propriedade de outro ser humano, “uma propriedade viva” . A noção de propriedade implica a de sujeição a alguém fora dela: o escravo está sujeito ao senhor a quem pertence. O escravo está sob sujeição pessoal do senhor. Deste atributo primário decorrem dois atributos derivados: os de perpetuidade e da hereditariedade.
2 – Coisa e pessoa – Na condição de propriedade, o escravo é uma coisa, um bem objetivo. A tendência dos senhores de escravos foi de vê-los como animais de trabalho, daí ter sido usual a prática de marcar o escravo com ferro em brasa com o se ferra o gado. O escravo podia assumir como própria e natural sua condição de animal possuído, no entanto, com legislação sobre o comportamento dos cativos, sendo vistos como possíveis criminosos ao fugirem ou atentarem contra o senhor, o escravo conseguiu o reconhecimento como sujeito delito e também como objeto de delito. Porém, os escravos sempre sofreram as penas (do senhor ou da justiça) mais pesadas e cruéis. Tal evolução na limitação do senhor com seus cativos não alteraram as leis econômicas e do modo de produção escravista. De fato, o escravo ficava entregue ao arbítrio senhorial.
3 – O escravo e o trabalho – A fórmula luso-tropical para os escravos trabalharem era o castigo. O escravo é inimigo visceral do trabalho, uma vez que neste se manifesta totalmente sua condição unilateral de coisa apropriada, de instrumento animado. A reação ao trabalho é a reação da humanidade do escravo à coisificação. O escravo exterioriza sua revolta embrionária e indefinida na resistência passiva ao trabalho para o senhor. O que, aos olhos deste último, aparece como vício ou indolência inata. Daí se tornarem indispensáveis a ameaça permanente do castigo e sua execução exemplar, conforme o arbítrio do senhor. Ao senhor o direito privado de castigar fisicamente seus escravos.
4 – Trabalho escravo e alto custo de vigilância – O alto custo de vigilância tem caráter estrutural na produção escravista. Embora seja um falso gasto de produção, não pode ser dispensado. Constitui um custo fixo a ser incorporado ao custo final. O custo de vigilância visava a obter o máximo de eficiência da força de trabalho, a evitar fugas de escravos, a conseguir a captura dos fugitivos e a aplicar-lhes castigos. No custo de vigilância, deve ser incluída a perda dos dias não trabalhados pelos escravos enquanto fugitivos, dias que podiam somar meses ou anos. A fim de obter dos escravos o esperado rendimento no trabalho, era preciso dispor de feitores e capatazes, que os vigiassem e castigassem imediatamente, no caso de negligência. Esses feitores e capatazes não eram agentes da produção, mas representavam uma despesa, fossem escravos ou assalariados. O escravo só conquistava a consciência de si mesmo como ser humano ao repelir o trabalho, o que constituía sua manifestação mais espontânea de repulsa ao senhor e ao estado de escravidão. Já o homem escravo só foi dado recuperar sua humanidade pessoal pela rejeição do trabalho.
5 – Tipos de trabalho escravo – O escravo rural foi o tipo predominante e, sob o aspecto econômico, o tipo fundamental. Já o escravo urbano, como os dos mestres artesãos no Brasil que se serviam de escravos treinados e, por isso, mais caros. O escravo urbano entregue à iniciativa individual e isento de forte vigilância. Encontramos, por isso, escravos trabalhando em oficina própria ou montada pelo senhor, realizando pequenos negócios nas ruas, prestando serviços manuais contratados por terceiros. No Brasil, chamavam-se negros de ganho e mantinham relacionamento especial com o senhor, ao qual entregavam uma renda fixa por dia ou semana e conservavam o restante para o próprio sustento ou para comprar sua alforria. Escravos urbanos desfrutavam de liberdade de locomoção, negada aos escravos rurais. Mas de forma geral, pertencia ao senhor, tudo o que viesse do escravo. Outro tipo de trabalho cativo,, era a dos escravos domésticos, a serviço pessoal da família do senhor nas residências rurais ou urbanas.
6 – O escravo como propriedade – O escravismo implica um mecanismo de comercialização que inclui o tráfico de importação, os mercados públicos e as vendas privadas de escravos. O escravo não constitui um bem pessoal vinculado, mas alienável ao arbítrio do proprietário, objeto de todos os tipos de transações ocorrentes nas relações mercantis. O senhor podia alugar os cativos, emprestá-los, vendê-los, doá-los, transmiti-los por herança ou legado, constituí-los em penhor ou hipoteca, desmembrar da nua propriedade o usufruto, exercer, enfim, todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário, correndo sobre ele todos os termos sem atenção mais do que à propriedade no mesmo constituída. Já nos tempos coloniais do Brasil, podia o escravo ser objeto de seguro de vida em favor do seu senhor. Os filhos de escravas deviam constituir frutos da propriedade, à maneira das crias de animais irracionais. No Brasil, era aliás usual chamar os filhos de escravas de crias.
7 – Escravidão, servidão da gleba e trabalho assalariado – A confusão das duas categorias sociais, servo e escravo, também se manifestou na teoria jurídica. Os juristas medievais transplantaram as normas do direito escravista romano e as aplicaram ao servo feudal, inclusive as de absoluta autoridade do senhor e de livre alienabilidade como propriedade móvel e venal. Gama Barros, no século X, diz que “o que vem acentuar o fato da adscrição, de preferência ao da escravidão, é a hereditariedade do servo na gleba; é a perpetuidade da posse nas sucessivas gerações da mesma família; é, enfim, a recíproca ligação do adscrito e da gleba, de modo que nem ele pode abandonar a terra, nem esta lhe pode ser tirada”. O que escravidão e servidão possuem em comum é a coação extra-econômica do produtor direto, embora suas modalidades concretas sejam diferentes para o escravo e para o servo. Marx aproximou o trabalho assalariado ao do escravo em seus escritos do século XIX com os abusos trabalhistas na Europa.
Para Gorender, o escravo passa a se ver como integrante da humanidade quando ganha leis de punição e vigilância feita pelos dominadores. Os senhores reconhecem a repulsa ao trabalho como preguiça proposital, indolência ou afronta dos escravos, comportamentos racionais, ou seja, humanos, ao mesmo tempo que precisam evitar a resistência para o bem de sua produção, sendo o escravo o principal pilar do sistema colonial e da acumulação do capital no mercantilismo ou pré-capitalismo. Escravos não são mais coisificados ou considerados animais, mas sim seres humanos com uma diferença essencial, um é propriedade, o outro é proprietário.
Em relação o estado de escravidão, consciência de escravo e sobre a repulsa do trabalho, a resistência dos cativos na colônia e após com a independência política do Brasil, em suas diversas formas, fugas, rebeliões, lutas com os senhores, resgate da cultura africana e de origem, suicídios e a própria repulsa ao trabalho se deveu sempre a consciência humana do escravo, de ser forçado ao trabalho, desvinculamento das raízes, família ou clã, enfim, o escravo resistiu de diversas formas a escravidão e ao estado de ser uma propriedade.


Dialética Radical do Brasil Negro Autor: Clóvis Moura.

Escravismo pleno - (+ ou -) de 1550 até aproximadamente 1850.
Escravismo tardio - (+ ou -) de 1850 até 1888( apenas como marco histórico) .

Tráfico de escravos da África de caráter internacional e o tráfico triangular como elemento mediador e mecanismo de acumulação na Metrópole (escravismo pleno) com o tráfico de escravos interprovincial substituindo o internacional. Aumento do seu preço como consequência (escravismo tardio).
Em 1850 com o fim do tráfico negreiro internacional, reduzindo a vinda de africanos para o Brasil. No período colonial, Portugal arrecadava capital com a comercialização, transporte, venda e revenda de escravos trazidos da África. Com a lei de 1850, os mercadores de mão-de-obra escrava no Brasil perdem uma farta fonte de riqueza, restando para alguns o contrabando ilegal. Se intensifica o mercado interno de compra e venda de afros, sendo estes gradativamente substituídos por mão-de-obra assalariada e por imigrantes “baratos”. Com a pressão dos ingleses para a abolição (interesse de que todos fossem assalariados para possuir poder de compra e serviços de produtos ingleses), e leis brasileiras em proteção e liberdade de escravos o preço da “peça” encarece.

Subordinação total da economia de tipo colonial à Metrópole e impossibilidade de uma acumulação interna de capitais em nível que pudesse determinar a passagem do escravismo para o capitalismo não dependente (escravismo pleno) com subordinação, no nível de produção industrial, comunicações, transportes(estradas de ferro), portos, iluminação a gás, telefone etc. Ao capital inglês; no nível de relações comerciais, subordinação ao mercado mundial e sua realização, internamente, em grande parte, por casas comerciais estrangeiras, o mesmo acontecendo no setor bancário e de exportações (escravismo tardio).
- Com a vinda da família real portuguesas em 1808 e uma série de medidas como a abertura dos portos as nações amigas e o fim do alvará houve o rompimento do pacto colonial. Com o livre comércio, a colônia pode acumular capital (burguesia colonial) e comercializar principalmente com a Inglaterra, que após a independência política brasileira intensificou as trocas comerciais e a vinda de bens de serviços, fazendo com que o país se tornasse dependente econômico do capital estrangeiro. O café basicamente sustentou a economia brasileira no período tardio do escravismo e favoreceu a entrada do capital estrangeiro, sendo os mesma elite cafeeira dependente do capital estrangeiro em relação aos bens de serviços, como transporte da produção, bancos e casas comerciais para exportação. O mesmo ocorreu com o setor industrial brasileiro, dependência estrangeira em vários aspectos.
Latifúndio escravista como forma fundamental de propriedade (escravismo pleno) com parcelas de trabalhadores livres predominando em algumas regiões, quer nas áreas decadentes, quer naquelas que decolaram com o café (escravismo tardio).
Até o século XIX o sistema escravista é parte essencial da economia da colônia ou do Brasil independente politicamente, sendo as fontes de riquezas tiradas da terra (rurais) latifundiária. Com leis taxativas com a vinda de escravos e algumas protetoras, com a resistência dos cativos e alto custo de vigilância se torna em algumas regiões mais caro a mão-de-obra escrava do que a dos imigrantes vindo em larga escala a partir do século XIX. Algumas regiões continuaram praticamente com o modo escravista e outras, tanto no setor industrial como no rural (este último o principal), mesclaram o trabalho livre com o escravo, e havendo núcleos de trabalho essencialmente livre e de subsistência como as zonas de imigração no sul do país.

Legislação repressora contra escravos, violenta e sem apelação (escravismo pleno) com legislação protetora, substituindo a repressora da primeira fase (escravismo tardio).
No período colonial e no início da vida política independente do Brasil, a repressão era vista como forma de controlar e garantir o sistema escravista. Com as exigências da Inglaterra, a vinda acentuada de imigrantes forma aparecendo leis menos severas e também protetoras visando boa relação com os ingleses (dependência econômica), e também devido a manifestos de grupos ligados ao abolicionismo, gradativamente leis foram sendo criadas até a abolição.
Os escravos lutam sozinhos de forma ativa e radical contra o instituto da escravidão (escravismo pleno) com a luta dos escravos em aliança com outros segmentos sociais. A resistência passiva substitui a insurgência ativa e radical da primeira fase. Os abolicionistas assumem a hegemonia do processo (escravismo tardio).
- No escravismo pleno escravos resistiram e se manifestaram de forma mais violenta, como fugas, formação de quilombos, lutas ou insurreições contra senhores, suicídios e boicotes na produção fizeram parte da sociedade escrava na colônia. Na segunda metade do século XIX, com o apoio e liderança de intelectuais brasileiros, parte dos militares e idéias republicanas os escravos se manifestaram de forma mais pacífica, tendo a Inglaterra como “aliada” das idéias abolicionistas. De fato, em 1888, por vários fatores sociais e principalmente econômicos a abolição é decretada começando uma faze de transição.

A Formação do Estado Burguês no Brasil – Autor: Décio Saes

Décio Saes na sua obra (A Formação do Estado Burguês no Brasil) tem como principal objetivo apresentar uma análise superestrutural[1] como o Estado conseguiu impedir a organização das resistências escravistas no Brasil, quer dizer, como esse Estado assegurou que o modo de produção escravista perdurasse de meados do século XVI até a abolição em 1888. As três fases do Estado escravista moderno no Brasil mencionadas por Saes são; fase colonial (meados do século XVI – 1808) em que concebe o caráter colonial como uma interdependência recíproca entre as classes dominantes da metrópole e as da colônia[2]; fase semicolonial (1808 – 1831) onde emergem movimentos anticolonialistas estabelecendo-se uma contradição[3] entre as classes dominantes locais e as portuguesas, que só vem a ser resolvida quando da abdicação de D. Pedro I resultando na expulsão dos interesses portugueses da política brasileira, que faz emergir um verdadeiro Estado Nacional; e a fase pós-colonial, período em que o interesse da classe dominante brasileira vigora através do Estado Nacional. É nesse período que o autor faz sua análise da estrutura jurídico-política existente no Brasil, é importante notar que o tipo de Estado era dominante numa formação social em que dominavam as relações de produção escravistas.
 Saes divide em partes sua análise: primeiramente ele destaca o Direito e burocracia: exame do direito (entendido como lei e aplicação da lei) e do aparelho de Estado (burocracia civil, Forças Armadas). As relações de produção escravistas são garantidas por um direito escravista é o que coloca o autor. O principio fundamental desse direito são a classificação dos homens em duas categorias, a dos seres dotados de vontade subjetivas (pessoas) e a dos carentes (coisas) sujeitos à vontade dos primeiros. Onde quem é qualificado como coisa (escravo) não tem acesso às tarefas do Estado nem pode escolher quem irá desempenhar tais tarefas. A escassez de escravos e a luta entre a classe dos escravos rurais e a classe dos fazendeiros escravistas por vezes impedia que o direito coisificasse o escravo – o responsável direto pela produção. Estes acontecimentos fizeram com que os processos personificassem parcialmente os escravos, ou seja, quando o escravo pode tornar-se proprietário isto é possuir bens (chamado peculium) acaba que por reflexo tornando-se sujeito, um indivíduo que dispõe de coisas. Continuando a escassez de escravos criou “impedimentos” aos castigos físicos praticados pelos senhores nos escravos em virtude de garantir o prolongamento da vida produtivas desses escravos, também a escassez tornou o escravo como objeto possível de delito. Assim a luta de classes impedia que o direito coisificasse integralmente o escravo, a revolta contra os senhores representava a afirmação do escravo como ser humano, a repressão simetricamente representava o reconhecimento da classe escravista desta condição no escravo. O autor apresenta o direito escravista como contraditório impossibilitado de coisificar o escravo integralmente e aberto à personificação parcial do mesmo. Essa contradição constitui exatamente a ideologia escravista.
     Nesta mesma linha de raciocínio ele analisa os diferentes códigos legais vigentes no Brasil procurando expor sua natureza de classe escravista, atenta para os diferentes códigos legais: Constituição de 1824, Ordenações Filipinas, Código Criminal, Código Comercial. Esse conjunto de leis nos confere algumas definições como a de que o ser humano podia se constituir em objeto de propriedade, portanto coisa, podendo ser negociado e constituído em herança. Nesse ínterim enquanto coisa, da categoria dos semoventes era negado aos escravos os direitos reservados aos “cidadãos brasileiros”. Temos também o tratamento diferenciado do ponto de vista criminal dado aos homens livres em relação aos escravos, exemplificando: a punição só era conferida a um homem livre quando decretada e executada pela justiça pública, enquanto para os escravos era legítimo em caráter privado (aplicada pelos senhores), também o direito de queixa era vedado aos escravos. A legislação penal apesar de personificadora do escravo por vezes (quando proibia progressivamente certas formas de castigos físicos nos escravos), punia pesadamente delitos de insurreição e conferia facilidades para a aplicação da pena dos escravos considerados culpados.
Continuando sua análise o autor passa a pesquisar a burocracia do Estado Imperial, novamente preocupado em demonstrar a natureza de classe da estrutura estudada. A característica fundamental do aparelho de Estado Imperial era vedação do direito de acesso ao aparelho da classe explorada (escravos). As funções judiciárias também eram reservadas exclusivamente a categoria dos homens livres, um escravo não podia ser nem juiz nem jurado. Assim a magistratura imperial era ocupada, sobretudo por membros da classe proprietária (de escravos, terras, fundos comerciais). Sendo os proprietários de escravos também juízes, que não distinguiam entre os recursos materiais do Estado e os seus próprios, a arbitrariedade tornava-se reinante transformando o juiz-proprietário e os jurados controlados por ele em verdadeiros legisladores.
Ainda nesta linha de raciocínio Saes analisa o ramo repressivo do aparelho de Estado Imperial – as forças armadas, onde identifica o mesmo caráter de dominância das relações de produção escravista. As forças armadas estavam divididas entre a marinha, o exército e Guarda Nacional. O exército se encarregava da guerra com outros Estados nacionais, enquanto a guarda nacional era designada à repressão interna de revoltas populares, sobretudo de escravos. O recrutamento para marinha e exército era através da voluntariedade, já na Guarda Nacional era obrigatório para os “cidadãos” e censitário (de acordo com renda). Apesar do corpo dos Voluntários da Pátria, formado por escravos (todos serviram como soldados) para lutar na Guerra do Paraguai, o recrutamento confirmava a legislação imperial escravista, uma vez que nenhuma das forças armadas admitia escravos dentre a oficialidade. Assim tomavam-os por coisas, carentes de vontade, portanto sem condições de tomar decisões militares. Dessa forma o autor coloca o princípio de fidelidade ao imperador, ou seja, o principio monárquico como mantenedor da unidade do aparelho de Estado escravista vigente no período pós-colonial. Termina afirmando que nesse período o direito imperial teve um caráter preeminente escravista e um aparelho de Estado dotado de características pré-burguesas.
O outro ponto abordado por Saes está no campo da Política do Estado, onde o autor o autor refuta a explicação de que as leis perpetuadas pelo Estado brasileiro faziam parte de uma estratégia de liquidação lenta e gradual, ou seja, por etapas da escravidão. Assim concebe a aprovação de leis como a Eusébio de Queirós (1850) e as leis que a seguem na legislatura escravista, como concessões que as classes dominantes escravistas brasileiras tiveram de fazer frente à pressão pelo fim do tráfico, exercida pela burguesia industrial inglesa. Estas concessões tinham o objetivo único de preservar o próprio escravismo. Também o aumento e, posteriormente, a transformação da luta dos escravos rurais contra a escravidão levaram o Estado escravista brasileiro a pratica de concessões com objetivo político claro de atenuar a luta de classes (onde a revolta escrava tornava-se perigosa) e visava desorganizar o movimento abolicionista como um todo. Desta forma, o autor conclui que no mesmo período em que ocorriam essas concessões, surgiam novas leis e decretos de cunho escravista. Através destas concessões e de um aparelho repressivo o Estado escravista brasileiro cumpriu sua política fundamental combater o movimento antiescravista e conservar a dominação da classe escravista. Portanto, o Estado imperial não foi um Estado de transição, com função de substituir o modo de produção escravista pelo capitalista, mas foi sim um defensor dos interesses da classe escravista, até o momento que uma revolução antiescravista promoveu sua derrubada.
Outro ponto central de sua Tese fica a cargo da Centralização que aqui ele discorre sobre o compromisso das classes dominantes com a casa real pois, com a independência  evitou a participação popular (dotada de objetivos da massa escrava), onde as classes dominantes aceitaram a forma monárquica e a conservação do território colonial para impedir uma possível revolução contra o escravismo. Assim a unidade nacional servia em forma de uma resistência maciça do Estado escravista, pois delegar uma maior autonomia provincial poderia causar brechas na muralha da escravidão. Assim sendo, Saes propõem que com a escassez de escravos a classe escravista tinha de defender o centralismo de Estado em vista da manutenção de um mercado nacional de escravos (tráfico interno).
 Por último, Saes aponta a Crise do Estado e para ilustrar destaca o papel do exército na relação com Estado escravista. As necessidades de profissionalização do exército brasileiro frente aos conflitos e as dificuldades que enfrentava como a Guerra do Paraguai, levou os militares a adotarem uma postura antiescravista em choque com as classes dominantes. Detalhando a burocratização do exército (aburguesamento) já não concorria com a função política geral do Estado que era conservar a dominação da classe escravista. O enfrentamento com estados vizinhos fez então emergir as condições para o burocratismo burguês se instalar nas forças armadas brasileiras, que somado a pressão das classes escravistas a colocar no exército a função de repressor dos movimentos antiescravistas (função da Guarda Nacional) estabeleceu uma contradição (crise) entre burocracia militar e o caráter escravista do Estado.
Na sua Tese central, Saes trabalha essencialmente o problema do Estado brasileiro em manter a escravidão até a sua extinção. Mesmo com tais dificuldades pelas próprias resistências escravistas no Brasil, o Brasil conseguiu manter a escravidão até meados de 1888. Saes dividiu as fases do Estado brasileiro em três períodos:a fase colonial (meados do século XVI – 1808) em que concebe o caráter colonial como uma interdependência recíproca entre as classes dominantes da metrópole e as da colônia; a fase semicolonial (1808 – 1831) momento da História do Brasil que surgem os movimentos anticolonialistas, nesta perspectiva a contradição entre as classes dominantes locais e as portuguesas só acabariam com a abdicação de D. Pedro I desta forma, o início do fim do poder português e surgimento do sentimento nacionalista e do Estado Nacional começava a aparecer ; e a fase pós-colonial, surgimento de uma elite dominante brasileira.  Podemos destacar o Direito e a Burocracia com forma de manter o escravo legalmente na sua condição se cativo, ou até então mantê-lo livre somente após uma idade avançada ou inda o tornando escravo até adquirir maior idade como era o caso das leis do ventre livre e do sexagenário. Já na fase pós-colonial, o interesse da classe dominante brasileira vigora através do Estado Nacional. É nesse período que o autor faz sua análise da estrutura jurídico-política existente no Brasil, é importante notar que o tipo de Estado era dominante numa formação social em que dominavam as relações de produção escravistas. De fato o Estado brasileiro estava em crise e havia uma luta interna entre aquela parte da elite que queria manter o escravismo e a outra ávida por participar do comércio implantado pelas elites burguesas inglesas e o que estava em jogo era a substituição do Estado escravista moderno pelo Estado burguês. São esses os quatro pilares que asseguram o caráter escravista até o final do século XIX.

   



[1] Atento tanto a superestrutura (aparelho político, jurídico e ideológico) quanto à infra-estrutura (economia e sociedade).
[2] O autor se utiliza do conceito de bloco no poder para discutir a questão da relação entre as classes dominantes metropolitanas e coloniais. Caracteriza ambas as classes como sub-blocos e não define nenhuma como hegemônica, mas afirma sim que houve diversas inversões de hegemonia com uma ou outra classe obtendo mais vantagens no comércio colonial de acordo com as variações de preço do regime de monopólio.
[3] Desde meados do século XVIII as classes dominantes metropolitanas revelavam-se incapazes de cumprir sua parte no pacto colonial, o que levou ao início da luta da classe dominante colonial contra o regime de monopólio. A contradição aparece evidente então, quando da transferência da corte portuguesa para o Brasil. A burocracia absolutista emigrada tornou-se vacilante aos interesses dos metropolitanos cedendo mais aos interesses locais e, sobretudo a pressão da burguesia industrial inglesa (financista da realeza e responsável pela defesa da corte durante a transferência para o Brasil).

Nenhum comentário:

Postar um comentário