segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Resumo sobre o trabalho escravo do Brasil Colônia ao fim do Império

Resumo sobre o trabalho escravo do Brasil Colônia ao fim do Império

 
Terra, Trabalho e Poder: o mundo dos engenhos no Nordeste colonial
 Vera Lúcia Amaral Ferlini

A autora traz a discussão do problema inicial do Brasil, sua ocupação. A nova colônia era rica em pau-brasil, mas de início não se encontrou metais valiosos. O pau-brasil não trazia grandes motivações para uma ocupação em larga escala. Com a cobiça de outros países europeus como a França que por vezes frequentava nosso litoral, holandeses e espanhóis. Estes últimos citados descobrira prata em grande fartura, o que faz os portugueses pensarem na possibilidade de encontrar os sonhados metais e importantes na política econômica do período colonial. As colônias no oriente já não rendiam tantos lucros com as especiarias.
A solução encontrada seria fazer do Brasil uma empresa extrativista e latifundiária, o produto escolhido foi a produção de açúcar, que Portugal já conhecia com um certo êxito em outras colônias. Desta forma, o Brasil além de dar lucros, poderia autofinanciar (a exemplo da Espanha) a sua defesa, colonização e a busca por ouro e prata.
Portugal, sendo um país pequeno em proporções demográficas, não tinha condições de enviar muitos colonos, apenas o necessário para coordenar e ocupar os latifúndios. Portugal então une o “útil com o agradável”, utiliza-se da já conhecida mão-de-obra escrava negra, rentável com o tráfico negreiro que trazia vultosos lucros, ocupando o Brasil com os escravos. No entanto o alto custo dos afros dificultava a aquisição de escravaria suficiente para o trato do açúcar, restringindo a obtenção de lotes de terras a poucos indivíduos.
Ferlini traz a discussão e o debate historiográfico de certos autores sobre o escravismo e o latifúndio dentro do sistema colonial e da dinâmica do capital mercantil complementando e contrariando. Marx diz que o homem, com suas descobertas territoriais, acabou tornando inevitável as colonizações e, portanto, o escravismo, por causa de sua ambição. O escravo servia exclusivamente ao seu senhor, produzia para ele e o seu viver era em função dele. Com o absolutismo e com o mercantilismo o Estado passava a controlar a economia e a buscar colônias para adquirir metais ou qualquer produto vantajoso e lucrativo através da exploração. Isso para garantir o enriquecimento da metrópole. Esse enriquecimento favorece a burguesia - classe que detém os meios de produção. Eric Williams retoma a idéia de Marx dizendo que torna-se claro assim, o ponto de vista defendido pelo historiador Fernando Novais, de que "o tráfico explica a escravidão", e não o contrário. Adequação da empresa colonizadora com os mecanismos do Antigo Sistema Colonial. Barros Castro diz que o escravismo é um atalho para o futuro proletariado e Maria Sylvia de Carvalho Franco descreve em suas teorias que no Brasil colonial seria inviável a preservação de homens livres expropriados, com abundância de terras onde todos poderiam encontrar formas de se suprirem.
Por fim, Já Ferlini define que a base do trabalho, e de toda sociedade colonial, era o escravo negro. Era o fundamento de todo o processo de produção, de toda a organização do engenho e da lavoura. Ligado inicialmente à necessidade de prover a mão-de-obra numerosa para a produção colonial, o escravismo moderno intensificou-se ao longo de nossa história, penetrando em toda a sociedade colonial. Para ele a economia capitalista, auferindo os lucros comerciais da produção colonial, internamente à colônia, o processo produtivo esclerosava-se em imenso quadro de geração e de manutenção do poder e privilégios em função do Estado.
A justificativa para a implantação do escravismo como lógica legitimadora do ASC está contemplada na posse da grande propriedade latifundiária que legitimava a perpetuação de quem comandava o trabalho escravo. Possuir terras e escravos era a receita para quem queria dominar o processo de acumulação de capital estabelecendo compromissos com o rei, mercadores e senhores de escravos. Dessa forma, colocava a margem todos aqueles grupos que eram à base do trabalho, os escravos. Processo contraditório fazia-se presente, pois, escravos e terras impulsionavam o capitalismo europeu e eternamente  esses mesmos atores emperraram a proletarização dos trabalhadores, ou seja, um sentimento de classe trabalhadora.
O engenho era sustentado pelo latifúndio e pelo trabalho escravo. As terras, por sua vez, eram a extensões territoriais do poder dos senhores de engenho. Alienado ao trabalho e a margem das forças produtivas o escravo estava nucleado e impossibilitado de resistir as mazelas da labuta diária e sua consciência de classe trabalhadora era estava adormecida e viria a surgir dentro do próprio processo de exploração do seu trabalho. A estruturação da manufatura no engenho organizou o trabalho de forma seqüencial e continua caracterizado numa labuta diária rotineira             


A Categoria Escravidão - Autor: Jacob Gorender

1 – Propriedade e sujeição pessoal – A característica mais essencial, que se salienta no ser escravo, reside na condição de propriedade de outro ser humano, “uma propriedade viva” . A noção de propriedade implica a de sujeição a alguém fora dela: o escravo está sujeito ao senhor a quem pertence. O escravo está sob sujeição pessoal do senhor. Deste atributo primário decorrem dois atributos derivados: os de perpetuidade e da hereditariedade.
2 – Coisa e pessoa – Na condição de propriedade, o escravo é uma coisa, um bem objetivo. A tendência dos senhores de escravos foi de vê-los como animais de trabalho, daí ter sido usual a prática de marcar o escravo com ferro em brasa com o se ferra o gado. O escravo podia assumir como própria e natural sua condição de animal possuído, no entanto, com legislação sobre o comportamento dos cativos, sendo vistos como possíveis criminosos ao fugirem ou atentarem contra o senhor, o escravo conseguiu o reconhecimento como sujeito delito e também como objeto de delito. Porém, os escravos sempre sofreram as penas (do senhor ou da justiça) mais pesadas e cruéis. Tal evolução na limitação do senhor com seus cativos não alteraram as leis econômicas e do modo de produção escravista. De fato, o escravo ficava entregue ao arbítrio senhorial.
3 – O escravo e o trabalho – A fórmula luso-tropical para os escravos trabalharem era o castigo. O escravo é inimigo visceral do trabalho, uma vez que neste se manifesta totalmente sua condição unilateral de coisa apropriada, de instrumento animado. A reação ao trabalho é a reação da humanidade do escravo à coisificação. O escravo exterioriza sua revolta embrionária e indefinida na resistência passiva ao trabalho para o senhor. O que, aos olhos deste último, aparece como vício ou indolência inata. Daí se tornarem indispensáveis a ameaça permanente do castigo e sua execução exemplar, conforme o arbítrio do senhor. Ao senhor o direito privado de castigar fisicamente seus escravos.
4 – Trabalho escravo e alto custo de vigilância – O alto custo de vigilância tem caráter estrutural na produção escravista. Embora seja um falso gasto de produção, não pode ser dispensado. Constitui um custo fixo a ser incorporado ao custo final. O custo de vigilância visava a obter o máximo de eficiência da força de trabalho, a evitar fugas de escravos, a conseguir a captura dos fugitivos e a aplicar-lhes castigos. No custo de vigilância, deve ser incluída a perda dos dias não trabalhados pelos escravos enquanto fugitivos, dias que podiam somar meses ou anos. A fim de obter dos escravos o esperado rendimento no trabalho, era preciso dispor de feitores e capatazes, que os vigiassem e castigassem imediatamente, no caso de negligência. Esses feitores e capatazes não eram agentes da produção, mas representavam uma despesa, fossem escravos ou assalariados. O escravo só conquistava a consciência de si mesmo como ser humano ao repelir o trabalho, o que constituía sua manifestação mais espontânea de repulsa ao senhor e ao estado de escravidão. Já o homem escravo só foi dado recuperar sua humanidade pessoal pela rejeição do trabalho.
5 – Tipos de trabalho escravo – O escravo rural foi o tipo predominante e, sob o aspecto econômico, o tipo fundamental. Já o escravo urbano, como os dos mestres artesãos no Brasil que se serviam de escravos treinados e, por isso, mais caros. O escravo urbano entregue à iniciativa individual e isento de forte vigilância. Encontramos, por isso, escravos trabalhando em oficina própria ou montada pelo senhor, realizando pequenos negócios nas ruas, prestando serviços manuais contratados por terceiros. No Brasil, chamavam-se negros de ganho e mantinham relacionamento especial com o senhor, ao qual entregavam uma renda fixa por dia ou semana e conservavam o restante para o próprio sustento ou para comprar sua alforria. Escravos urbanos desfrutavam de liberdade de locomoção, negada aos escravos rurais. Mas de forma geral, pertencia ao senhor, tudo o que viesse do escravo. Outro tipo de trabalho cativo,, era a dos escravos domésticos, a serviço pessoal da família do senhor nas residências rurais ou urbanas.
6 – O escravo como propriedade – O escravismo implica um mecanismo de comercialização que inclui o tráfico de importação, os mercados públicos e as vendas privadas de escravos. O escravo não constitui um bem pessoal vinculado, mas alienável ao arbítrio do proprietário, objeto de todos os tipos de transações ocorrentes nas relações mercantis. O senhor podia alugar os cativos, emprestá-los, vendê-los, doá-los, transmiti-los por herança ou legado, constituí-los em penhor ou hipoteca, desmembrar da nua propriedade o usufruto, exercer, enfim, todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário, correndo sobre ele todos os termos sem atenção mais do que à propriedade no mesmo constituída. Já nos tempos coloniais do Brasil, podia o escravo ser objeto de seguro de vida em favor do seu senhor. Os filhos de escravas deviam constituir frutos da propriedade, à maneira das crias de animais irracionais. No Brasil, era aliás usual chamar os filhos de escravas de crias.
7 – Escravidão, servidão da gleba e trabalho assalariado – A confusão das duas categorias sociais, servo e escravo, também se manifestou na teoria jurídica. Os juristas medievais transplantaram as normas do direito escravista romano e as aplicaram ao servo feudal, inclusive as de absoluta autoridade do senhor e de livre alienabilidade como propriedade móvel e venal. Gama Barros, no século X, diz que “o que vem acentuar o fato da adscrição, de preferência ao da escravidão, é a hereditariedade do servo na gleba; é a perpetuidade da posse nas sucessivas gerações da mesma família; é, enfim, a recíproca ligação do adscrito e da gleba, de modo que nem ele pode abandonar a terra, nem esta lhe pode ser tirada”. O que escravidão e servidão possuem em comum é a coação extra-econômica do produtor direto, embora suas modalidades concretas sejam diferentes para o escravo e para o servo. Marx aproximou o trabalho assalariado ao do escravo em seus escritos do século XIX com os abusos trabalhistas na Europa.
Para Gorender, o escravo passa a se ver como integrante da humanidade quando ganha leis de punição e vigilância feita pelos dominadores. Os senhores reconhecem a repulsa ao trabalho como preguiça proposital, indolência ou afronta dos escravos, comportamentos racionais, ou seja, humanos, ao mesmo tempo que precisam evitar a resistência para o bem de sua produção, sendo o escravo o principal pilar do sistema colonial e da acumulação do capital no mercantilismo ou pré-capitalismo. Escravos não são mais coisificados ou considerados animais, mas sim seres humanos com uma diferença essencial, um é propriedade, o outro é proprietário.
Em relação o estado de escravidão, consciência de escravo e sobre a repulsa do trabalho, a resistência dos cativos na colônia e após com a independência política do Brasil, em suas diversas formas, fugas, rebeliões, lutas com os senhores, resgate da cultura africana e de origem, suicídios e a própria repulsa ao trabalho se deveu sempre a consciência humana do escravo, de ser forçado ao trabalho, desvinculamento das raízes, família ou clã, enfim, o escravo resistiu de diversas formas a escravidão e ao estado de ser uma propriedade.


Dialética Radical do Brasil Negro Autor: Clóvis Moura.

Escravismo pleno - (+ ou -) de 1550 até aproximadamente 1850.
Escravismo tardio - (+ ou -) de 1850 até 1888( apenas como marco histórico) .

Tráfico de escravos da África de caráter internacional e o tráfico triangular como elemento mediador e mecanismo de acumulação na Metrópole (escravismo pleno) com o tráfico de escravos interprovincial substituindo o internacional. Aumento do seu preço como consequência (escravismo tardio).
Em 1850 com o fim do tráfico negreiro internacional, reduzindo a vinda de africanos para o Brasil. No período colonial, Portugal arrecadava capital com a comercialização, transporte, venda e revenda de escravos trazidos da África. Com a lei de 1850, os mercadores de mão-de-obra escrava no Brasil perdem uma farta fonte de riqueza, restando para alguns o contrabando ilegal. Se intensifica o mercado interno de compra e venda de afros, sendo estes gradativamente substituídos por mão-de-obra assalariada e por imigrantes “baratos”. Com a pressão dos ingleses para a abolição (interesse de que todos fossem assalariados para possuir poder de compra e serviços de produtos ingleses), e leis brasileiras em proteção e liberdade de escravos o preço da “peça” encarece.

Subordinação total da economia de tipo colonial à Metrópole e impossibilidade de uma acumulação interna de capitais em nível que pudesse determinar a passagem do escravismo para o capitalismo não dependente (escravismo pleno) com subordinação, no nível de produção industrial, comunicações, transportes(estradas de ferro), portos, iluminação a gás, telefone etc. Ao capital inglês; no nível de relações comerciais, subordinação ao mercado mundial e sua realização, internamente, em grande parte, por casas comerciais estrangeiras, o mesmo acontecendo no setor bancário e de exportações (escravismo tardio).
- Com a vinda da família real portuguesas em 1808 e uma série de medidas como a abertura dos portos as nações amigas e o fim do alvará houve o rompimento do pacto colonial. Com o livre comércio, a colônia pode acumular capital (burguesia colonial) e comercializar principalmente com a Inglaterra, que após a independência política brasileira intensificou as trocas comerciais e a vinda de bens de serviços, fazendo com que o país se tornasse dependente econômico do capital estrangeiro. O café basicamente sustentou a economia brasileira no período tardio do escravismo e favoreceu a entrada do capital estrangeiro, sendo os mesma elite cafeeira dependente do capital estrangeiro em relação aos bens de serviços, como transporte da produção, bancos e casas comerciais para exportação. O mesmo ocorreu com o setor industrial brasileiro, dependência estrangeira em vários aspectos.
Latifúndio escravista como forma fundamental de propriedade (escravismo pleno) com parcelas de trabalhadores livres predominando em algumas regiões, quer nas áreas decadentes, quer naquelas que decolaram com o café (escravismo tardio).
Até o século XIX o sistema escravista é parte essencial da economia da colônia ou do Brasil independente politicamente, sendo as fontes de riquezas tiradas da terra (rurais) latifundiária. Com leis taxativas com a vinda de escravos e algumas protetoras, com a resistência dos cativos e alto custo de vigilância se torna em algumas regiões mais caro a mão-de-obra escrava do que a dos imigrantes vindo em larga escala a partir do século XIX. Algumas regiões continuaram praticamente com o modo escravista e outras, tanto no setor industrial como no rural (este último o principal), mesclaram o trabalho livre com o escravo, e havendo núcleos de trabalho essencialmente livre e de subsistência como as zonas de imigração no sul do país.

Legislação repressora contra escravos, violenta e sem apelação (escravismo pleno) com legislação protetora, substituindo a repressora da primeira fase (escravismo tardio).
No período colonial e no início da vida política independente do Brasil, a repressão era vista como forma de controlar e garantir o sistema escravista. Com as exigências da Inglaterra, a vinda acentuada de imigrantes forma aparecendo leis menos severas e também protetoras visando boa relação com os ingleses (dependência econômica), e também devido a manifestos de grupos ligados ao abolicionismo, gradativamente leis foram sendo criadas até a abolição.
Os escravos lutam sozinhos de forma ativa e radical contra o instituto da escravidão (escravismo pleno) com a luta dos escravos em aliança com outros segmentos sociais. A resistência passiva substitui a insurgência ativa e radical da primeira fase. Os abolicionistas assumem a hegemonia do processo (escravismo tardio).
- No escravismo pleno escravos resistiram e se manifestaram de forma mais violenta, como fugas, formação de quilombos, lutas ou insurreições contra senhores, suicídios e boicotes na produção fizeram parte da sociedade escrava na colônia. Na segunda metade do século XIX, com o apoio e liderança de intelectuais brasileiros, parte dos militares e idéias republicanas os escravos se manifestaram de forma mais pacífica, tendo a Inglaterra como “aliada” das idéias abolicionistas. De fato, em 1888, por vários fatores sociais e principalmente econômicos a abolição é decretada começando uma faze de transição.

A Formação do Estado Burguês no Brasil – Autor: Décio Saes

Décio Saes na sua obra (A Formação do Estado Burguês no Brasil) tem como principal objetivo apresentar uma análise superestrutural[1] como o Estado conseguiu impedir a organização das resistências escravistas no Brasil, quer dizer, como esse Estado assegurou que o modo de produção escravista perdurasse de meados do século XVI até a abolição em 1888. As três fases do Estado escravista moderno no Brasil mencionadas por Saes são; fase colonial (meados do século XVI – 1808) em que concebe o caráter colonial como uma interdependência recíproca entre as classes dominantes da metrópole e as da colônia[2]; fase semicolonial (1808 – 1831) onde emergem movimentos anticolonialistas estabelecendo-se uma contradição[3] entre as classes dominantes locais e as portuguesas, que só vem a ser resolvida quando da abdicação de D. Pedro I resultando na expulsão dos interesses portugueses da política brasileira, que faz emergir um verdadeiro Estado Nacional; e a fase pós-colonial, período em que o interesse da classe dominante brasileira vigora através do Estado Nacional. É nesse período que o autor faz sua análise da estrutura jurídico-política existente no Brasil, é importante notar que o tipo de Estado era dominante numa formação social em que dominavam as relações de produção escravistas.
 Saes divide em partes sua análise: primeiramente ele destaca o Direito e burocracia: exame do direito (entendido como lei e aplicação da lei) e do aparelho de Estado (burocracia civil, Forças Armadas). As relações de produção escravistas são garantidas por um direito escravista é o que coloca o autor. O principio fundamental desse direito são a classificação dos homens em duas categorias, a dos seres dotados de vontade subjetivas (pessoas) e a dos carentes (coisas) sujeitos à vontade dos primeiros. Onde quem é qualificado como coisa (escravo) não tem acesso às tarefas do Estado nem pode escolher quem irá desempenhar tais tarefas. A escassez de escravos e a luta entre a classe dos escravos rurais e a classe dos fazendeiros escravistas por vezes impedia que o direito coisificasse o escravo – o responsável direto pela produção. Estes acontecimentos fizeram com que os processos personificassem parcialmente os escravos, ou seja, quando o escravo pode tornar-se proprietário isto é possuir bens (chamado peculium) acaba que por reflexo tornando-se sujeito, um indivíduo que dispõe de coisas. Continuando a escassez de escravos criou “impedimentos” aos castigos físicos praticados pelos senhores nos escravos em virtude de garantir o prolongamento da vida produtivas desses escravos, também a escassez tornou o escravo como objeto possível de delito. Assim a luta de classes impedia que o direito coisificasse integralmente o escravo, a revolta contra os senhores representava a afirmação do escravo como ser humano, a repressão simetricamente representava o reconhecimento da classe escravista desta condição no escravo. O autor apresenta o direito escravista como contraditório impossibilitado de coisificar o escravo integralmente e aberto à personificação parcial do mesmo. Essa contradição constitui exatamente a ideologia escravista.
     Nesta mesma linha de raciocínio ele analisa os diferentes códigos legais vigentes no Brasil procurando expor sua natureza de classe escravista, atenta para os diferentes códigos legais: Constituição de 1824, Ordenações Filipinas, Código Criminal, Código Comercial. Esse conjunto de leis nos confere algumas definições como a de que o ser humano podia se constituir em objeto de propriedade, portanto coisa, podendo ser negociado e constituído em herança. Nesse ínterim enquanto coisa, da categoria dos semoventes era negado aos escravos os direitos reservados aos “cidadãos brasileiros”. Temos também o tratamento diferenciado do ponto de vista criminal dado aos homens livres em relação aos escravos, exemplificando: a punição só era conferida a um homem livre quando decretada e executada pela justiça pública, enquanto para os escravos era legítimo em caráter privado (aplicada pelos senhores), também o direito de queixa era vedado aos escravos. A legislação penal apesar de personificadora do escravo por vezes (quando proibia progressivamente certas formas de castigos físicos nos escravos), punia pesadamente delitos de insurreição e conferia facilidades para a aplicação da pena dos escravos considerados culpados.
Continuando sua análise o autor passa a pesquisar a burocracia do Estado Imperial, novamente preocupado em demonstrar a natureza de classe da estrutura estudada. A característica fundamental do aparelho de Estado Imperial era vedação do direito de acesso ao aparelho da classe explorada (escravos). As funções judiciárias também eram reservadas exclusivamente a categoria dos homens livres, um escravo não podia ser nem juiz nem jurado. Assim a magistratura imperial era ocupada, sobretudo por membros da classe proprietária (de escravos, terras, fundos comerciais). Sendo os proprietários de escravos também juízes, que não distinguiam entre os recursos materiais do Estado e os seus próprios, a arbitrariedade tornava-se reinante transformando o juiz-proprietário e os jurados controlados por ele em verdadeiros legisladores.
Ainda nesta linha de raciocínio Saes analisa o ramo repressivo do aparelho de Estado Imperial – as forças armadas, onde identifica o mesmo caráter de dominância das relações de produção escravista. As forças armadas estavam divididas entre a marinha, o exército e Guarda Nacional. O exército se encarregava da guerra com outros Estados nacionais, enquanto a guarda nacional era designada à repressão interna de revoltas populares, sobretudo de escravos. O recrutamento para marinha e exército era através da voluntariedade, já na Guarda Nacional era obrigatório para os “cidadãos” e censitário (de acordo com renda). Apesar do corpo dos Voluntários da Pátria, formado por escravos (todos serviram como soldados) para lutar na Guerra do Paraguai, o recrutamento confirmava a legislação imperial escravista, uma vez que nenhuma das forças armadas admitia escravos dentre a oficialidade. Assim tomavam-os por coisas, carentes de vontade, portanto sem condições de tomar decisões militares. Dessa forma o autor coloca o princípio de fidelidade ao imperador, ou seja, o principio monárquico como mantenedor da unidade do aparelho de Estado escravista vigente no período pós-colonial. Termina afirmando que nesse período o direito imperial teve um caráter preeminente escravista e um aparelho de Estado dotado de características pré-burguesas.
O outro ponto abordado por Saes está no campo da Política do Estado, onde o autor o autor refuta a explicação de que as leis perpetuadas pelo Estado brasileiro faziam parte de uma estratégia de liquidação lenta e gradual, ou seja, por etapas da escravidão. Assim concebe a aprovação de leis como a Eusébio de Queirós (1850) e as leis que a seguem na legislatura escravista, como concessões que as classes dominantes escravistas brasileiras tiveram de fazer frente à pressão pelo fim do tráfico, exercida pela burguesia industrial inglesa. Estas concessões tinham o objetivo único de preservar o próprio escravismo. Também o aumento e, posteriormente, a transformação da luta dos escravos rurais contra a escravidão levaram o Estado escravista brasileiro a pratica de concessões com objetivo político claro de atenuar a luta de classes (onde a revolta escrava tornava-se perigosa) e visava desorganizar o movimento abolicionista como um todo. Desta forma, o autor conclui que no mesmo período em que ocorriam essas concessões, surgiam novas leis e decretos de cunho escravista. Através destas concessões e de um aparelho repressivo o Estado escravista brasileiro cumpriu sua política fundamental combater o movimento antiescravista e conservar a dominação da classe escravista. Portanto, o Estado imperial não foi um Estado de transição, com função de substituir o modo de produção escravista pelo capitalista, mas foi sim um defensor dos interesses da classe escravista, até o momento que uma revolução antiescravista promoveu sua derrubada.
Outro ponto central de sua Tese fica a cargo da Centralização que aqui ele discorre sobre o compromisso das classes dominantes com a casa real pois, com a independência  evitou a participação popular (dotada de objetivos da massa escrava), onde as classes dominantes aceitaram a forma monárquica e a conservação do território colonial para impedir uma possível revolução contra o escravismo. Assim a unidade nacional servia em forma de uma resistência maciça do Estado escravista, pois delegar uma maior autonomia provincial poderia causar brechas na muralha da escravidão. Assim sendo, Saes propõem que com a escassez de escravos a classe escravista tinha de defender o centralismo de Estado em vista da manutenção de um mercado nacional de escravos (tráfico interno).
 Por último, Saes aponta a Crise do Estado e para ilustrar destaca o papel do exército na relação com Estado escravista. As necessidades de profissionalização do exército brasileiro frente aos conflitos e as dificuldades que enfrentava como a Guerra do Paraguai, levou os militares a adotarem uma postura antiescravista em choque com as classes dominantes. Detalhando a burocratização do exército (aburguesamento) já não concorria com a função política geral do Estado que era conservar a dominação da classe escravista. O enfrentamento com estados vizinhos fez então emergir as condições para o burocratismo burguês se instalar nas forças armadas brasileiras, que somado a pressão das classes escravistas a colocar no exército a função de repressor dos movimentos antiescravistas (função da Guarda Nacional) estabeleceu uma contradição (crise) entre burocracia militar e o caráter escravista do Estado.
Na sua Tese central, Saes trabalha essencialmente o problema do Estado brasileiro em manter a escravidão até a sua extinção. Mesmo com tais dificuldades pelas próprias resistências escravistas no Brasil, o Brasil conseguiu manter a escravidão até meados de 1888. Saes dividiu as fases do Estado brasileiro em três períodos:a fase colonial (meados do século XVI – 1808) em que concebe o caráter colonial como uma interdependência recíproca entre as classes dominantes da metrópole e as da colônia; a fase semicolonial (1808 – 1831) momento da História do Brasil que surgem os movimentos anticolonialistas, nesta perspectiva a contradição entre as classes dominantes locais e as portuguesas só acabariam com a abdicação de D. Pedro I desta forma, o início do fim do poder português e surgimento do sentimento nacionalista e do Estado Nacional começava a aparecer ; e a fase pós-colonial, surgimento de uma elite dominante brasileira.  Podemos destacar o Direito e a Burocracia com forma de manter o escravo legalmente na sua condição se cativo, ou até então mantê-lo livre somente após uma idade avançada ou inda o tornando escravo até adquirir maior idade como era o caso das leis do ventre livre e do sexagenário. Já na fase pós-colonial, o interesse da classe dominante brasileira vigora através do Estado Nacional. É nesse período que o autor faz sua análise da estrutura jurídico-política existente no Brasil, é importante notar que o tipo de Estado era dominante numa formação social em que dominavam as relações de produção escravistas. De fato o Estado brasileiro estava em crise e havia uma luta interna entre aquela parte da elite que queria manter o escravismo e a outra ávida por participar do comércio implantado pelas elites burguesas inglesas e o que estava em jogo era a substituição do Estado escravista moderno pelo Estado burguês. São esses os quatro pilares que asseguram o caráter escravista até o final do século XIX.

   



[1] Atento tanto a superestrutura (aparelho político, jurídico e ideológico) quanto à infra-estrutura (economia e sociedade).
[2] O autor se utiliza do conceito de bloco no poder para discutir a questão da relação entre as classes dominantes metropolitanas e coloniais. Caracteriza ambas as classes como sub-blocos e não define nenhuma como hegemônica, mas afirma sim que houve diversas inversões de hegemonia com uma ou outra classe obtendo mais vantagens no comércio colonial de acordo com as variações de preço do regime de monopólio.
[3] Desde meados do século XVIII as classes dominantes metropolitanas revelavam-se incapazes de cumprir sua parte no pacto colonial, o que levou ao início da luta da classe dominante colonial contra o regime de monopólio. A contradição aparece evidente então, quando da transferência da corte portuguesa para o Brasil. A burocracia absolutista emigrada tornou-se vacilante aos interesses dos metropolitanos cedendo mais aos interesses locais e, sobretudo a pressão da burguesia industrial inglesa (financista da realeza e responsável pela defesa da corte durante a transferência para o Brasil).

O que é Sociologia?


Sociologia - tem como objetos de estudo a sociedade, a sua organização social e os processos que interligam os indivíduos em grupo

A Sociologia é uma das Ciências Humanas que tem como objetos de estudo a sociedade, a sua organização social e os processos que interligam os indivíduos em grupos, instituições e associações. Enquanto a Psicologia estuda o indivíduo na sua singularidade, a Sociologia estuda os fenômenos sociais, compreendendo as diferentes formas de constituição das sociedades e suas culturas.
O termo Sociologia foi criado por Auguste Comte em 1838 (séc. XVIII), que pretendia unificar todos os estudos relativos ao homem — como a História, a Psicologia e a Economia. Mas foi com Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber que a Sociologia tomou corpo e seus fundamentos como ciência foram institucionalizados.

Augusto Comte
 A Sociologia surgiu como disciplina no século XVIII, como resposta acadêmica para um desafio que estava surgindo: o início da sociedade moderna. Com a Revolução Industrial e posteriormente com a Revolução Francesa (1789), iniciou-se uma nova era no mundo, com as quedas das monarquias e a constituição dos Estados nacionais no Ocidente. A Sociologia surge então para compreender as novas formas das sociedades, suas estruturas e organizações.
A Sociologia tem a função de, ao mesmo tempo, observar os fenômenos que se repetem nas relações sociais – e assim formular explicações gerais ou teóricas sobre o fato social –, como também se preocupa com aqueles eventos únicos, como por exemplo, o surgimento do capitalismo ou do Estado Moderno, explicando seus significados e importância que esses eventos têm na vida dos cidadãos.
Como toda forma de conhecimento intitulada ciência, a Sociologia pretende explicar a totalidade do seu universo de pesquisa. O conhecimento sociológico, por meio dos seus conceitos, teorias e métodos, constituem um instrumento de compreensão da realidade social e de suas múltiplas redes ou relações sociais.
Os sociólogos estudam e pesquisam as estruturas da sociedade, como grupos étnicos (indígenas, aborígenes, ribeirinhos etc.), classes sociais (de trabalhadores, esportistas, empresários, políticos etc.), gênero (homem, mulher, criança), violência (crimes violentos ou não, trânsito, corrupção etc.), além de instituições como família, Estado, escola, religião etc.
Além de suas aplicações no planejamento social, na condução de programas de intervenção social e no planejamento de programas sociais e governamentais, o conhecimento sociológico é também um meio possível de aperfeiçoamento do conhecimento social, na medida em que auxilia os interessados a compreenderem mais claramente o comportamento dos grupos sociais, assim como a sociedade com um todo. Sendo uma disciplina humanística, a Sociologia é uma forma significativa de consciência social e de formação de espírito crítico.
A Sociologia nasce da própria sociedade, e por isso mesmo essa disciplina pode refletir interesses de alguma categoria social ou ser usado como função ideológica, contrariando o ideal de objetividade e neutralidade da ciência. Nesse sentido, se expõe o paradoxo das Ciências Sociais, que ao contrário das ciências da natureza (como a biologia, física, química etc.), as ciências da sociedade estão dentro do seu próprio objeto de estudo, pois todo conhecimento é um produto social. Se isso a priori é uma desvantagem para a Sociologia, num segundo momento percebemos que a Sociologia é a única ciência que pode ter a si mesma com objeto de indagação crítica.


Eugen Berthold Friedrich Brecht - Biografia e poemas

Eugen Berthold Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955.
Ao final dos anos 1920 Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu teatro épico. Sua praxis é uma síntese dos experimentos teatrais de Erwin Piscator e Vsevolod Emilevitch Meyerhold, do conceito de estranhamento do formalista russo Viktor Chklovski, do teatro chinês e do teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos 1917-1926. Seu trabalho como artista concentrou-se na crítica artística ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista.

Biografia

Brecht nasceu no Estado Livre da Baviera, no extremo sul da Alemanha, estudou medicina e trabalhou como enfermeiro num hospital em Munique durante a Primeira Guerra Mundial. Era filho de Berthold Brecht, diretor de uma fábrica de papel, católico, exigente e autoritário, e de Sophie Brezing (em solteira), protestante, que fez seu filho ser batizado nesta igreja.
Suas primeiras peças, Baal (1918/1926) e Tambores na Noite (Trommeln in der Nacht) (1918-1920), foram encenadas na vizinha Munique. Em sua participação no teatro Brecht conhece o diretor de teatro e cinema Erich Engel, com quem veio a trabalhar até o fim da sua vida.
Depois da primeira grande guerra mudou-se para Berlim, onde o influente crítico, Herbert Ihering, chamou-lhe a atenção para a apetência do público pelo teatro moderno. Trabalha inicialmente com Erwin Piscator, famoso por suas cenas Piscator, como eram chamadas, cheias de projeções de filmes, cartazes, etc. Em Berlim, a peça Im Dickicht der Städte, protagonizada por Fritz Kortner e dirigida por Engel, tornou-se o seu primeiro sucesso.
O Nazismo afirmava-se como a força renovadora que iria reerguer o país, pretendendo reviver o Sacro Império Romano-Germânico. Mas, ao mesmo tempo, chegavam à Alemanha influências da recém formada União Soviética.
Com a eleição de Hitler, em 1933, Brecht exila-se primeiro na Áustria, depois Suíça, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia e finalmente nos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Lênin da Paz em 1954.
Seus textos e montagens o fizeram conhecido mundialmente. Brecht é um dos escritores fundamentais deste século: revolucionou a teoria e a prática da dramaturgia e da encenação, mudou completamente a função e o sentido social do teatro, usando-o como arma de consciencialização e politização.
Teve três filhos com Helene Weigel: Stefan Brecht, Barbara Brecht-Schall e Hanne Hiob.
Algumas de suas principais obras são: Um Homem é um Homem, em que cresce a ideia do homem como um ser transformável, Mãe Coragem e Seus Filhos, sobre a Guerra dos Trinta Anos, escrita no exílio, no começo da Segunda Guerra Mundial, e A Vida de Galileu. Afirma Bernard Dort a respeito deste último:

Teatro Épico

Não é simples falar sobre o conceito que Brecht tinha do teatro, apesar de ao longo de 30 anos haver escrito ensaios e comentários sobre este tema. Este autor era mais um pensador prático, que sempre recriava suas peças ou "experimentos sociológicos", como as preferia chamar, no intuito de aperfeiçoá-las. Pois era através delas que toda sua teoria, crítica e pensamento seriam expostos.
Além de dramaturgo e diretor, Brecht foi responsável por aprofundar o método de interpretação do teatro épico, uma das grandes teorias de interpretação do século xx. Uma das grandes influências no desenvolvimento desta forma de interpretação foi a arte do ator Mei Lan-Fang, que Brecht acompanhou numa representação em Moscou em 1935.
Descreve Brecht em Escritos sobre Teatro um relato deste ator chinês que informa muito sobre a forma de interpretação no teatro épico, ao representar papéis femininos. Mei Lan-Fang repetira várias vezes numa palestra, por seu tradutor, que ele representava personagens femininos em cena, mas que não era imitador de mulheres. Continua Brecht, descrevendo uma demonstração das técnicas deste ator num encontro, que este ator, de terno, executava certos movimentos femininos, ressaltando sempre a presença de duas personagens, um que apresentava e outro que era apresentado. Brecht sublinha que o ator chinês não pretendia andar e chorar como uma mulher, mas como uma determinada mulher (pg40, vol2).

Interpretação épica

Segundo Rosenfeld, "Foi desde 1926 que Brecht começou a falar de ‘teatro épico’, depois de pôr de lado o termo ‘drama épico’, visto que o cunho narrativo da sua obra somente se completa no palco" (ROSENLD, 1965, p. 146), é possível inferir, portanto, a importância que a encenação tem para os textos brechtianos. É só através da atitude dos atores, do cenário, da música, dos sons e até do silêncio que seu pensamento se completa, só através destes elementos que seu texto causará o efeito desejado, caso o contrário seu não causará o impacto devido.
No início de sua carreira Brecht estabelece os elementos de uma nova forma de interpretação para o ator. Em, a propósito dos critérios de apreciação da arte dramática, defende o ator Peter Lore de críticas negativas dizendo que uma interpretação gestual levará o público a exercer uma operação crítica do comportamento humano. Afirma que cada palavra deve encontrar um significado visual e através do gesto o espectador pode compreender as alternativas da cena (Peixoto, 1974, 2. edição, pg; 68).
Peixoto descreve que para Brecht a interpretação gestual deve muito ao cinema mudo, principalmente a Chaplin, que elaborara uma nova forma de figuração do pensamento humano (Peixoto, 1974, 2. edição, pg; 68). Esta preocupação levará a que Brecht defina o conceito de gestus na interpretação e montagem de suas peças.

Influências

Conforme destaca Fredric Jameson, em seu Método Brecht, algumas das inovações propostas pela cena brechtiana são similares àquelas propostas por importantes artistas modernistas no teatro ou em outras artes. Destacam-se entre eles a dramaturgia de Frank Wedekind, influência reconhecida pelo próprio Brecht, o romance Ulysses de James Joyce, as propostas cubo-futuristas de Maiakovski, ou construtivistas no cinema de Sergei Eisenstein e, principalmente, os postulados do diretor de teatro Meyerhold e os procedimentos de colagem nos trabalhos de Picasso.
Willet, por outro lado, reforça o aspecto da construção narrativa em seu trabalho: Com Brecht os mesmos princípios de montagem espalham-se ao teatro pois a forma narrativa do teatro épico seria mais adequada para se lidar com temas sócio-econômicos, evidenciando Willet que a montagem foi a técnica estrutural mais natural na prática artística brechtiana (1978, 110).

Poemas:

A Cruz de Giz
Eu sou uma criada. Eu tive um romance
Com um homem que era da SA.
Um dia, antes de ir
Ele me mostrou, sorrindo, como fazem
Para pegar os insatisfeitos.
Com um giz tirado do bolso do casaco
Ele fez uma pequena cruz na palma da mão.
Ele contou que assim, e vestido à paisana
anda pelas repartições do trabalho
Onde os empregados fazem fila e xingam
E xinga junto com eles, e fazendo isso
Em sinal de aprovação e solidariedade
Dá um tapinha nas costas do homem que xinga
E este, marcado com a cruz branca
ë apanhado pela SA. Nós rimos com isso.
Andei com ele um ano, então descobri
Que ele havia retirado dinheiro
Da minha caderneta de poupança.
Havia dito que a guardaria para mim
Pois os tempos eram incertos.
Quando lhe tomei satisfações, ele jurou
Que suas intenções eram honestas. Dizendo isso
Pôs a mão em meu ombro para me acalmar.
Eu corri, aterrorizada. Em casa
Olhei minhas costas no espelho, para ver
Se não havia uma cruz branca.
...
Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
...
A pequena casa entre árvores no lago.
Do telhado sobe fumaça
Sem ela
Quão tristes seriam
Casa, árvores e lago.
...
 
Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado.
Compreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal
...
Quando ela acabou, foi colocada na terra
Flores nascem, borboletas esvoejam por cima...
Ela, leve, não fez pressão sobre a terra
Quanta dor foi preciso para que ficasse tão leve!
...
Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos
Ouvem!
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus
Ouvidos ouvem!
Saiba também que não crer algo significa algo crer!
...
Estou sentado á beira da estrada,
o condutor muda a roda.
Não me agrada o lugar de onde venho.
Não me agrada o lugar para onde vou.
Por que olho a troca da roda
com impaciência?
...

As Boas Ações
Esmagar sempre o próximo
não acaba por cansar?
Invejar provoca um esforço
que inchas as veias da fronte.
A mão que se estende naturalmente
dá e recebe com a mesma facilidade.
Mas a mão que agarra com avidez
rapidamente endurece.
Ah! que delicioso é dar!
Ser generoso que bela tentação!
Uma boa palavra brota suavemente
como um suspiro de felicidade!
...

I
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a
amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.
...

Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável.
...
Como bem sei
Os impuros viajam para o inferno
Através do céu inteiro.
São levados em carruagens transparentes:
Isto embaixo de vocês, lhe dizem
É o céu.
Eu sei que lhes dizem isso
Pois imagino
Que justamente entre eles
Há muitos que não o reconheceriam, pois eles
Precisamente
Imaginavam-no mais radiante
...
Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-lhe
a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
Para que do choque no fim te não caia.

Exorta-o a que agite bem o cú
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –

Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.
...
Viesse um vento
Eu poderia alçar vela.
Faltasse vela
Faria uma de pano e pau.
...
1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2
Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.
...
A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante.
Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar:
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem
falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio?
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o "hoje" nascerá do "jamais".
...
Quando aumenta a repressão, muitos desanimam.
Mas a coragem dele aumenta.
Organiza sua luta pelo salário, pelo pão
e pela conquista do poder.
Interroga a propriedade:
De onde vens?
Pergunta a cada idéia:
Serves a quem?
Ali onde todos calam, ele fala
E onde reina a opressão e se acusa o destino,
ele cita os nomes.
À mesa onde ele se senta
se senta a insatisfação.
À comida sabe mal e a sala se torna estreita.
Aonde o vai a revolta
e de onde o expulsam
persiste a agitação.
...
Matar-se
É coisa banal.
Pode-se conversar com a lavadeira sobre isso.
Discutir com um amigo os prós e os contras.
Um certo pathos, que atrai
Deve ser evitado.
Embora isto não precise absolutamente ser um dogma.
Mas melhor me parece, porém
Uma pequena mentira como de costume:
Você está cheio de trocar a roupa de cama, ou melhor
Ainda:
Sua mulher foi infiel
(Isto funciona com aqueles que ficam surpresos com
essas coisas
E não é muito impressionante.)
De qualquer modo
Não deve parecer
Que a pessoa dava
Importância demais a si mesmo
...
Aqui jaz
O enviado dos bairros da miséria
O que descreveu os atormentadores do povo
E aqueles que os combateram
O que foi educado nas ruas
O de baixa extração
Que ajudou a abolir o sistema de Alto a Baixo
O mestre do povo
Que aprendeu com o povo.
...

Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão.
Quando queiram os senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
Tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
Só nos pode convir
Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: nosso desemprego
Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!
...

E eu sempre pensei: as mais simples palavras
Devem bastar.Quando eu disser como e
O coracao de cada um ficara dilacerado.
Que sucumbiras se nao te defenderes
Isso logo veras.
...

Eu cresci como filho
De gente abastada. Meus pais
Me colocaram um colarinho, e me educaram
No hábito de ser servido
E me ensinaram a dar ordens. Mas quando
Já crescido, olhei em torno de mim
Não me agradaram as pessoas da minha classe e me juntei
À gente pequena.
 
Assim
Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe
Suas artes, e ele
Denuncia-os ao inimigo.
Sim, eu conto seus segredos. Fico
Entre o povo e explico
Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois
Estou instruído em seus planos.
O latim de seus clérigos corruptos
Traduzo palavra por palavra em linguagem comum,
 
Então
Ele se revela uma farsa. Tomo
A balança da sua justiça e mostro
Os pesos falsos. E os seus informantes relatam
Que me encontro entre os despossuídos, quando
Tramam a revolta.
Eles me advertiram e me tomaram
O que ganhei com meu trabalho. E quando me corrigi
Eles foram me caçar, mas
Em minha casa
Encontraram apenas escritos que expunham
Suas tramas contra o povo. Então
Enviaram uma ordem de prisão
Acusando-me de ter idéias baixas, isto é
As idéias da gente baixa.
Aonde vou sou marcado
Aos olhos dos possuidores.
Mas os despossuídos
Lêem a ordem de prisão
E me oferecem abrigo. Você, dizem
Foi expulso por bom motivo.
...
No sonho esta noite
Vi um grande temporal.
Ele atingiui os andaimes
Curvou a viga feita
A de ferro.
Mas o que era de madeira
Dobrou-se e ficou.
...
Jamais te amei tanto, ma soeur
Como ao te deixar naquele pôr do sol
O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur
Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas
No Oeste.
Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur
Eu que brincava ao encontro do destino negro -
Enquanto os rostos atrás de mim lentamente
Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul.
Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur
Jamais igual, antes ou depois -
É verdade que me ficaram apenas os pássaros
Que à noite sentem fome no negro céu.
..
Mesmo o diluvio
Não durou eternamente.
Veio o momento em que
As águas negras baixaram.
Sim, mas quão poucos
Sobreviveram!
...
Estuda o elementar: para aqueles
cuja hora chegou
não é nunca demasiado tarde.
Estuda o abc. Não basta, mas
Estuda. Não te canses.
Começa. Tens de saber tudo.
Estás chamado a ser um dirigente.
Freqüente a escola, desamparado!
Persegue o saber, morto de frio!
Empunha o livro, faminto! É uma arma!
Estás chamado á ser um dirigente.
Não temas perguntar, companheiro!
Não te deixes convencer!
Compreende tudo por ti mesmo.
O que não sabes por ti, não o sabes.
Confere a conta. Tens de pagá-la.
Aponta com teu dedo a cada coisa
e pergunta: "Que é isto? e como é?"
Estás chamado a ser um dirigente.
...

Ficarão maiores As propriedades dos que possuem
E a miséria dos que não possuem
As falas do guia*
E o silêncio dos guiados.
*Führer
...
Á memória de Carl von Ossietzky
Aquele que não cedeu
Foi abatido
O que foi abatido
Não cedeu.
A boca do que preveniu
Está cheia de terra.
A aventura sangrenta
Começa.
O túmulo do amigo da paz
É pisoteado por batalhões.
Então a luta foi em vão?
Quando é abatido o que não lutou só
O inimigo
Ainda não venceu.
...
Nada É Impossível De Mudar

Desconfiai do mais trivial ,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
...
Não necessito de pedra tumular, mas
Se necessitarem de uma para mim
Gostaria que nela estivesse:
Ele fez sugestões
Nos as aceitamos.
Por tal inscrição
Estaríamos todos honrados.
...
No Muro Estava Escrito Com Giz:

Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.
...
No segundo ano de minha fuga
Li em um jornal, em língua estrangeira
Que eu havia perdido minha cidadania.
Não fiquei triste nem alegre
Ao ver meu nome entre muitos outros
Bons e maus.
A sina dos que fugiam não me pareceu pior
Do que a sina dos que ficavam.
...
 O Analfabeto Político

"O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."
Nada é impossível de Mudar
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar." 

Privatizado

"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence."
...
O Maneta No Bosque

Banhado de suor ele se curva
Para pegar o graveto.Os mosquitos
Espanta com um movimento de cabeça.Com os joelhos
Amarra a lenha com dificuldade.Gemendo
Se apruma,ergue a mão
Para ver se chove.A mão erguida
Do temido Guarda SS.
...
Eu confesso: eu
Não tenho esperança.
Os cegos falam de uma saída. Eu
Vejo.
Após os erros terem sido usados
Como última companhia, à nossa frente
Senta-se o Nada.
...
Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
...
Pelo que esperam?
Que os surdos se deixem convencer
E que os insaciáveis
Lhes devolvam algo?
Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los!
Por amizade
Os tigres convidarão
A lhes arrancarem os dentes!
É por isso que esperam!
...
"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."
...
"Os maus temem tuas garras
Os bons se alegram de tua graça.
Algo assim Gostaria de ouvir
Do meu verso."
...
Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.
...
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilònia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a lendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas
...
Nos tempos sombrios
se cantará também?
Também se cantará
sobre os tempos sombrios.
...

Aprende - lê nos olhos,
lê nos olhos - aprende
a ler jornais, aprende:
a verdade pensa
com tua cabeça.
Faça perguntas sem medo
não te convenças sozinho
mas vejas com teus olhos.
Se não descobriu por si
na verdade não descobriu.
Confere tudo ponto
por ponto - afinal
você faz parte de tudo,
também vai no barco,
"aí pagar o pato, vai
pegar no leme um dia.
Aponte o dedo, pergunta
que é isso? Como foi
parar aí? Por que?
Você faz parte de tudo.
Aprende, não perde nada
das discussões, do silêncio.
Esteja sempre aprendendo
por nós e por você.
Você não será ouvinte
diante da discussão,
não será cogumelo
de sombras e bastidores,
não será cenário
para nossa ação
...
"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence."
...

Quem Não Sabe De Ajuda

Como pode a voz que vem das casas
Ser a da justiça
Se os pátios estão desabrigados?
Como pode não ser um embusteiro aquele que
Ensina os famintos outras coisas
Que não a maneira de abolir a fome?
Quem não dá o pão ao faminto
Quer a violência
Quem na canoa não tem
Lugar para os que se afogam
Não tem compaixão.
Quem não sabe de ajuda
Que cale.
...
Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta,para este ha um paragrafo
Que diz: ele agiu em legitima defesa.Mas
O mesmo paragrafo silencia
Quando voces se defendem porque lhes tiram o pao.
E no entanto morre quem nao come,e quem nao come
o suficiente
Morre lentamente.Durante os anos todos em que morre
Nao lhe e permitido se defender.
...
Refletindo, ouço dizer, sobre o inferno
Meu irmão Shelley achou ser ele um lugar
Mais ou menos semelhante a Londres.
Eu Que não vivo em Londres, mas em Los Angeles
Acho, refletindo sobre o inferno,
que ele deve Assemelhar-se mais ainda a Los Angeles.
Também no inferno Existem, não tenho dúvidas, esses jardins luxuriantes
Com as flores grandes como árvores, que naturalmente fenecem
Sem demora, se não são molhadas com água muito cara.
E mercados de frutas Com verdadeiros montes de frutos, no entanto
Sem cheiro nem sabor. E intermináveis filas de carros
Mais leves que suas próprias sombras, mais rápidos
Que pensamentos tolos, automóveis reluzentes, nos quais
Gente rosada, vindo de lugar nenhum, vai a nenhum lugar.
E casas construídas para pessoas felizes, portanto vazias
Mesmo quando habitadas.
Também as casas do inferno não são todas feias
Mas a preocupação de serem lançados na rua
Consome os moradores das mansões não menos que
Os moradores do barracos
...
Fossemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece.
...
Sobre A Violência

A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito do rio que a contem
Ninguem chama de violento.
A tempestade que faz dobrar as betulas
E tida como violenta
E a tempetasde que faz dobrar
Os dorsos dos operarios na rua?
...
Soube que
Nas praças dizem de mim que durmo mal
Meus inimigos, dizem, já estão assentando casa
Minhas mulheres põem seus vestidos bons
Em minha ante-sala esperam pessoas
Conhecidas como amigas dos infelizes.
Logo
Ouvirão que não como mais
Mas uso novos ternos
Mas o pior é: eu mesmo
Observo que me tornei
Mais duro com as pessoas.
...
Também o Céu

Também o céu às vezes desmorona
E as estrelas caem sobre a terra
Esmagando-a com todos nós.
Isto pode ser amanhã.
...
Tempos Sombrios

Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes,
pois implica em silenciar
sobre tantos horrores.

Bertold Brecht
Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.
Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.
Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Um homem pessimista
É tolerante.
Ele sabe deixar a fina cortesia desmanchar-se na língua
Quando um homem não espanca uma mulher
E o sacrifício de uma mulher que prepara café para
seu amado
Com pernas brancas sob a camisa -
Isto o comove.
Os remorsos de um homem que
Vendeu o amigo
Abalam-no, a ele que conhece a frieza do mundo
E como é sábio
Falar alto e convencido
No meio da noite.
...
Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão.
Quando queiram os senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
Tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
Só nos pode convir
Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: nosso desemprego
Não será
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!


Fonte:  solucionadohttp://www.escalet.com.br/open.php?open=tea-bertolt